A paternidade e a maternidade socioafetiva se consolidam quando a relação entre padrasto ou madrasta e enteado transcende o simples convívio, estabelecendo um vínculo que, na prática, equivale ao de pai e filho. Este tipo de filiação, baseada no afeto e na convivência diária, reflete a realidade de muitas famílias, nas quais o genitor biológico se encontra ausente, e o padrasto ou madrasta assume integralmente as funções parentais.
Adoção Unilateral: Fundamentos e Processo Judicial
A adoção unilateral, conforme prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 41, § 1º, permite a alteração de uma das linhas de parentesco, sem modificar a outra. Essa modalidade de adoção é especialmente relevante em casos onde o padrasto ou madrasta deseja formalizar a relação afetiva já existente com o enteado, assumindo legalmente todas as responsabilidades e direitos decorrentes dessa filiação.
O processo de adoção unilateral visa destituir o poder familiar do pai ou mãe biológicos, que se encontram ausentes ou negligentes, para inserir o nome do pai ou mãe socioafetivos no registro civil da criança ou adolescente. Esse procedimento é regulamentado pelo ECA e exige o cumprimento de certos requisitos legais.
Requisitos para a Adoção Unilateral
Para que o padrasto ou madrasta possa adotar o enteado menor de idade, alguns requisitos precisam ser atendidos:
- Idade do Adotante: O adotante deve ser maior de 18 anos, conforme o art. 42, caput, do ECA.
- Diferença de Idade: É necessário que haja uma diferença mínima de 16 anos entre o adotante e o adotando, segundo o art. 42, § 3º, do ECA.
- Histórico de Abandono: Deve ser demonstrado o abandono afetivo por parte do pai ou mãe biológicos, evidenciando a ausência de vínculos afetivos e a falta de cumprimento dos deveres parentais.
- Vínculo Afetivo Comprovado: A existência de fortes laços afetivos entre o padrasto ou madrasta e o enteado deve ser comprovada por meio de fotos, depoimentos e estudos psicossociais, que evidenciem a convivência e a relação parental existente.
Destituição do Poder Familiar: Perda de Direitos e Deveres
Um dos aspectos cruciais da adoção unilateral é a destituição do poder familiar do pai ou mãe biológicos. Essa destituição é uma medida judicial que resulta na perda definitiva de todos os direitos e deveres que os pais biológicos possuem em relação ao filho. Isso inclui, por exemplo, o direito de convivência, de participação na vida escolar e de tomar decisões importantes sobre o futuro da criança ou adolescente.
Além disso, a destituição implica que o pai ou mãe biológicos deixam de ter qualquer obrigação financeira em relação ao filho.
Em contrapartida, todos esses direitos e deveres são transferidos ao padrasto ou madrasta que adota o enteado, reconhecendo formalmente a filiação socioafetiva. A medida também assegura que o adotado passe a ser considerado legalmente filho do adotante, com todos os direitos correlatos.
Essa destituição do poder familiar é essencial para garantir que o novo vínculo seja plenamente reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico, proporcionando ao menor uma situação estável e juridicamente segura, na qual o padrasto ou madrasta passa a ter todos os direitos e deveres típicos de um pai ou mãe biológicos.
Isenção do Cadastro Nacional de Adoção e Dispensabilidade do Estágio de Convivência
A adoção unilateral também se distingue por algumas particularidades no processo:
- Dispensa do Cadastro Nacional de Adoção: Conforme o art. 50, § 13, II, do ECA, a inscrição no cadastro pode ser dispensada se houver comprovada afinidade e afetividade entre o adotante e o adotando. A jurisprudência do STJ, especialmente no REsp. 1172067, reconhece a primazia do melhor interesse do menor, dispensando o cadastro quando há vínculo afetivo pré-existente.
- Estágio de Convivência: O estágio de convivência, previsto no art. 46 do ECA, pode ser dispensado se o adotando já estiver sob a guarda ou tutela do adotante por tempo suficiente para avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
Consequências Jurídicas da Adoção Unilateral
Uma vez concedida a adoção unilateral, diversas consequências jurídicas surgem:
- Destituição do Poder Familiar: O pai ou mãe biológicos perdem todos os direitos e deveres em relação ao filho, incluindo a obrigação de pagar pensão alimentícia e direito de convivência.
- Alteração do Registro Civil: O nome do adotante passa a constar como pai ou mãe no registro civil do adotando, assim como a inclusão do nome de seus ascendentes, com a exclusão do sobrenome do pai ou mãe biológicos e inclusão do sobrenome do adotante, conforme o art. 47 do ECA.
- Benefícios Jurídicos: O adotando passa a gozar de todos os direitos e benefícios que um filho biológico teria, incluindo direitos hereditários e previdenciários, como a pensão por morte.
Considerações Finais
A adoção unilateral pelo padrasto ou madrasta é mais do que um ato jurídico, é a formalização de um amor genuíno, construído dia após dia, que ultrapassa os laços de sangue e se fundamenta na convivência e no afeto. É o reconhecimento legal de uma realidade que já existe no coração e na vida da criança. Afinal, pai é quem cria, quem está presente, quem oferece amor e cuidado incondicional.
Se você se encontra em uma situação semelhante, o primeiro passo é buscar a orientação de um advogado de confiança, que poderá analisar seu caso e orientar sobre os procedimentos necessários para a adoção unilateral. Esse processo não apenas oficializa uma relação de amor, mas também assegura direitos e garantias tanto para o adotante quanto para o adotado, consolidando legalmente o vínculo já existente.